Sabe-se que a penhora de bens é um poderoso instrumento processual que atinge diretamente os bens do devedor, vez que o objetivo deste instituto é trazer como imediata consequência, tanto de ordem prática quanto jurídica, o sacrifício dos bens do devedor para garantir a execução, e, consequentemente, promover a satisfação do crédito ao credor, segundo Theodoro Júnior.
No entanto, o Código de Processo Civil estabelece em seu artigo 833 um rol taxativo sobre os bens considerados impenhoráveis, respeitando os princípios constitucionais, entre eles: imóveis com característica de residência familiar, vestuários, salários, entre outros.
Todavia, os juristas atuais debatem constantemente sobre a relevância sentimental dos bens que podem ser penhorados, devendo ser analisado o valor do objeto, bem como sua característica em si. Porém, como tal argumento pode ser fundamentado quando se trata de um objeto de grande importância para milhões de pessoas?
Um exemplo de fato neste sentido foi o ocorrido no mês passado, no caso movido pelo Instituto Santanense de Ensino Superior em face do Sport Club Corinthians Paulista, decorrente de um processo iniciado em 2008, na 3ª Vara Cível no Foro Regional VIII de Tatuapé – São Paulo. Referido processo tratava de um conflito gerado pela discussão envolvendo o terreno onde está localizado o Parque São Jorge, cujo locatário seria o Instituto.
O debate judicial iniciou-se em virtude do ajuizamento de Ação de Reintegração de Posse, movida pelo Instituto Santanense em face da atitude tomada pelo Clube de Futebol em impedir que alunos e funcionários acessassem o local onde era utilizado como campus para a Universidade (Instituto) de propriedade do Clube.
Depois de todo o trâmite processual, o Clube foi condenado ao pagamento de R$ 755.734,83 a título de danos emergentes, R$ 1.677.720,39 de lucros cessantes e 100 salários mínimos de danos morais, acrescido das custas, despesas processais e verba honorária em 10% sobre o valor da condenação.
Atualmente o valor perfaz um montante de R$ 2.485.952,11 (dois milhões, quatrocentos e oitenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e dois reais e onze centavos).
Desde então, o Instituto de ensino tenta receber o valor devido, o qual tem direito, utilizando-se de diversas vezes medidas que lhes favoreçam, tais como bloqueio de parte do dinheiro que o Clube receberia de transações de venda de jogadores e de premiações. Porém, sem sucesso.
Por conseguinte, a Universidade requereu a penhora da Taça do Mundial de 2012, exposta no memorial do Clube, a qual foi deferida pelo Juiz Luis Fernando Nadelli, no dia 08 de novembro de 2018.
Tal movimentação processual gerou inúmeros conflitos no âmbito do futebol e discussões no mundo jurídico, tendo em vista que a oportunidade visualizada pelos advogados da exequente provocou perturbação com a parte contrária, uma vez que tocava na história da trajetória do time.
Como resposta a esse procedimento, o Clube interpôs Agravo de Instrumento utilizando como argumento que o objeto que estava sendo penhorado possuía grande valor sentimental para os torcedores do time e que o deferimento desta medida poderia desonrar seu nome.
O Agravo, em trâmite sob o n.º 22435-65.2018.8.26.0000, foi julgado pelo Desembargador Paulo Pastore Filho, da 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, momento em que houve por bem conceder a liminar com efeito suspensivo de impedir a penhora da taça.
Após esse breve relato dos fatos, é possível observar que o deferimento da penhora da taça visava respeitar alguns princípios constitucionais e processuais, dentro dos limites determinados pelas normas do ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, a penhora do objeto é devidamente possível e legal, até porque este bem móvel não consta no rol dos bens impenhoráveis.
Cabe salientar que a resolução desse conflito no sistema jurisdicional brasileiro é audacioso, pois o polo passivo da ação possui grande influência para a sociedade brasileira, bem como trata-se de um assunto inédito tanto no mundo jurídico quanto futebolístico.
Dessa forma, permaneceremos aguardando pelas próximas movimentações processuais, a fim de que possamos finalmente verificar qual será a solução para este caso emblemático, que, por ora, apresenta-se como uma lacuna no direito brasileiro.
Isabela Maria de Godoy
Estagiária na área cível