Em recente pronunciamento, a Receita Federal do Brasil, ofertou aos seus servidores e contribuintes, através da Solução de Consulta Interna 142, de 19 de setembro de 2018, entendimento a respeito do tratamento tributário a ser observado, pelo sócio participante, em relação aos valores por ele recebidos à título de participação nos negócios abarcados pelo objeto social da Sociedade em Conta de Participação – SCP.
Inicialmente, necessário rememorar que a SCP é formada por duas ou mais pessoas com identidade de propósitos e qualidades em comum, sendo uma delas qualificado como sócio ostensivo, responsável por praticar todos os atos concernentes ao propósito pelo qual foi instituída a sociedade, e sócio oculto ou participante, que recebe a atribuição de realizar os investimentos necessários para que se torne executável os atos realizados pelo sócio ostensivo.
Muito embora a questão analisada pelas autoridades fiscais na Solução de Consulta 142/18 não diga respeito à análise e tributação da capacidade contributiva da SCP em si, mas da tributação dos valores recebidos pelo sócio participante, para fins fiscais, esse tipo societário é equiparado às pessoas jurídicas nos termos da legislação do imposto de renda (artigo 148 e seguintes do RIR/99).
Nessa condição, quando da apuração dos resultados e distribuição de lucros aos seus sócios (ostensivo e participante), tais grandezas estão isentas do recolhimento Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) , Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) , Contribuição para o PIS/Pasep (PIS/Pasep) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) .
No caso sob análise, em breve síntese, a interpretação das autoridades fiscais foi no sentido de que para “fins tributários, não se caracteriza como Sociedade em Conta de Participação (SCP) o arranjo contratual no qual o sócio participante exerce a atividade constitutiva do objeto social e é remunerado na forma de distribuição de lucros”, de modo que o sócio participante, a partir dessa interpretação, não teria direito a aplicação da isenção do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS em relação aos valores recebidos à título de participação nos negócios abarcados pelo objeto das SCP’s.
No caso posto, o contribuinte informou que, nos termos dos contratos de constituição das SCP’s, figurava como sócio participante e a outra sociedade como sócia ostensiva. Ainda, segundo o instrumento de constituição das SCP’s, o sócio participante atuaria de forma subsidiária ao sócio ostensivo e o auxiliaria no “acompanhamento e na elaboração de estratégias processuais e, eventualmente, na elaboração de peças, sustentação oral e pareceres jurídicos, apresentação de recursos, embargos de declaração, inclusive perante a Câmara Superior de Recursos Fiscais, visando à obtenção de decisão favorável”. Nesse sentido, assevera que “exercia uma atividade essencialmente intelectual e, eventualmente, subsidiária na execução dos trabalhos necessários para a obtenção do resultado almejado pelas SCP’s”.
A partir dessa narrativa, ao interpretar os artigos 981 e 991 a 996 do Código Civil, as autoridades fiscais entenderam que os contratos de SCP’s, ao disciplinarem a colaboração recíproca pelos denominados sócios (ostensivo e participante) perante o denominado “interveniente anuente”, vão de encontro à normatividade do parágrafo único do art. 991 do Código Civil, vez que não só o sócio ostensivo, mas também o sócio participante se obriga perante terceiro (chamado interveniente atuante).
Ainda, a fim de sustentar tal interpretação, referida manifestação ressaltou que, muito embora o parágrafo único do art. 993 do Código Civil prescreva que “sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier”, referida situação é diferente daquela disposta no parágrafo único do art. 991 do Código Civil.
Nesse contexto, a partir de uma interpretação restritiva das normas de direito privado previstas no Código Civil, às autoridades fiscais, concluíram que no caso em tela ocorreu a utilização indevida da SCP em razão: “i) do exercício com pessoalidade do objeto social, consistente na prestação de serviços de advocacia, pela sócia participante (oculta), o que é contrário ao disposto no Código Civil; b) da distribuição individual de lucros proporcional aos serviços prestados pela sócia participante, que mais se afigura como associação; e c) da distribuição de serviços entre as partes, adotando a sócia participante relação direta e pessoal com terceiros”.
Apesar dessa interpretação, claramente em benefício do Fisco, não se pode perder de vista os novos modelos de negócios implementados a partir desses instrumentos que, certamente, contribuem com a movimentação da economia e, consequentemente, aumento da arrecadação tributária a partir desse fenômeno.
Nesse contexto, embora o cenário político e econômico demande um esforço imediato das autoridades tributárias em levantar recursos para cobrir o déficit amargado pela União, não parece coerente, tão pouco razoável, a administração tributária restringir suas interpretações sem levar em consideração o dinamismo e a evolução das relações econômicas, que em sua grande parte são alavancadas pelas constituição de SCP’s.
De modo que, a partir de uma interpretação harmônica dos dispositivos 991 e 993 do Código Civil, é possível deduzir que tais normas, ao contrário do sustentado pelas autoridades fiscais, não são impeditivas, e sim ampliativas da responsabilidade do sócio participante, na medidas que tais dispositivos admitem a possibilidade de o sócio investidor participar ou não das atividades da SCP, o que lhe acarreta, em participando, responsabilidade solidária perante terceiros.
Em recente decisão, através do acórdão nº 1401-002.823 , processo nº 14041.720037/2017-32 a 4ª Câmara da 1ª Turma Ordinária do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF considerou lícito o planejamento tributário de uma instituição de ensino constituída como Sociedade em Conta de Participação (SCP), cujo voto vencido foi contundente no sentido de que “não existe vedação à participação do sócio participante nas atividades empresariais. O que existe, é uma consequência jurídica à sua participação, passando a responder solidariamente pelas obrigações em que intervier”.
Embora a Solução de Consulta 142/18 tenha sido editada em momento posterior à decisão do CARF no acórdão 1401-002.823, a interpretação pelo órgão administrativo das normas de Direito Civil que dispõem sobre a SCP, parece alcançar o real sentido manifestado pelo legislador na edição dessas normas, ao afastar a tese fiscalista de que somente o sócio ostensivo deveria exercer a atividade constitutiva do objeto social.
Assim, faz-se prudente que os contribuintes, a partir do caso concreto, avaliem com cautela a criação de SCP à luz das disposições contidas no Código Civil, levando-se em consideração a interpretação das autoridades fiscais manifestada na Solução de Consulta 142/18 e o recente entendimento do CARF a respeito do tema, de modo a minimizar ou afastar os riscos tributários, ou até possíveis questionamentos por parte do Fisco em relação aos lucros recebidos pelo sócio participante ou oculto, quando este exercer a atividade, material ou intelectual na SCP, juntamente com o sócio ostensivo.
1 Art. 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995
2 Art. 2º, § 1º, alínea ’c’, item 5 da Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988
3 Art. 3º, § 2º, inciso II da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998
4 Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
5 Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. Ano-calendário: 2012, 2013, 2014. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO LÍCITO. O fato de o sócio investidor ter contato com o cliente não desnatura a sociedade por conta de participação Como se observa § único do art. 993 do CC, não existe vedação à participação do sócio participante nas atividades empresariais. O que existe, é uma consequência jurídica à sua participação, passando a responder solidariamente pelas obrigações em que intervier.
Maciel da Silva Braz
OAB/SP 343.809