A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto amplamente utilizado em vários ramos do direito processual brasileiro. Seu intuito é possibilitar ao credor a satisfação de eventual crédito que possua de uma pessoa jurídica que tenta, de alguma forma, macular os bens patrimoniais que possui, mediante o atingimento do patrimônio de seus sócios.
Desta forma, visa a afastar eventuais artifícios ardilosos praticados pela pessoa jurídica que se encontra em uma situação de devedora.
Contudo, a despeito da sua importância para o ordenamento jurídico, somente passou a ter um procedimento para a sua instauração com o advento do Novo Código de Processo Civil, no ano de 2016.
Sendo assim, atualmente, a desconsideração da personalidade jurídica possui procedimento próprio e concretiza-se mediante a instauração de um incidente processual, o qual irá respeitar todas as garantias e princípios constitucionais brasileiros, de forma a atingir seu objetivo maior, qual seja, a satisfação do crédito do credor.
Isso porque, antes da criação das novas regras procedimentais estabelecidas pelo Código de Processo Civil, para que ocorresse a desconsideração da personalidade jurídica somente era necessário um simples pedido no processo pela parte interessada.
Consequentemente, o juiz determinava a inclusão dos sócios representantes da sociedade empresária demandada e a lide ficava composta por todos eles. Inexistia, contudo, expressa previsão do procedimento a ser observado nas situações de afastamento da autonomia patrimonial e responsabilização dos sócios da pessoa jurídica.
Bastava-se, portanto, que o credor comprovasse a prática de abuso do direito por parte da sociedade, calcado na presença de atos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial para que fosse determinada a sua inclusão no polo passivo ao lado da empresa demandada. Ou ainda, quando se tratava de relação de consumo, bastava a comprovação de que a sociedade empresária não dispusesse de bens suficientes para quitar os seus débitos e estivesse em vias de ter decretada a sua falência.
Sendo assim, depois de esgotadas todas as possibilidades para o credor satisfazer o seu crédito e restando elas todas frustradas, o próximo passo era peticionar nos autos para requerer a inclusão dos sócios da empresa devedora no polo passivo e com isso buscar no patrimônio da pessoa física o pagamento do que fosse devido.
Esclareça-se, portanto, que não havia um procedimento para que isso ocorresse, já que tão somente a demonstração da inadimplência, cumulada com a prática de atos de abuso de poder aliados com a comprovação de que a empresa possuía um passivo maior que o se ativo já eram suficientes para o deferimento do juiz.
Atento, portanto, a essa necessidade de regulação, o Código de Processo Civil inovou e estabeleceu um procedimento para que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica ocorresse. Assim, desde 18.03.2016, para que uma empresa tenha a sua personalidade jurídica afastada e o sócio venha, juntamente com ela, integrar o polo passivo da lide, é necessária a instauração de um incidente processual.
Veja que com estas alterações não se trata mais de uma simples petição no curso do processo para que o credor possa ter a chance de atingir os bens patrimoniais dos sócios da empresa demandada. Com a determinação de um procedimento, o Código de Processo Civil estabeleceu a possibilidade dos sócios defenderem-se antes de terem seu patrimônio exaurido.
Esta regra reafirma a autonomia da pessoa jurídica, bem como possibilita a aplicação na íntegra dos princípios do contraditório e da ampla defesa àqueles que poderão ser incluídos na lide processual, propiciando uma maior segurança jurídica nos negócios empresariais.
Graziela Martin de Freitas Raineri
OAB/SP 236.808