AS NORMAS DE INTERVENÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL NO AMBIENTE DE ISOLAMENTO SOCIAL, A NECESSIDADE DE UMA INTERPRETAÇÃO HARMÔNICA, CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO

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Em tempos de pandemia, com o necessário isolamento social, muitas têm sido as providências governamentais e privadas para amenizar os danos sociais, econômicos.
Neste cenário, o direito do trabalho apresenta-se como instrumento inerente à garantia de estabilidade das relações sociais, no sentido de promover direitos sociais aos trabalhadores em consonância com a edição de normas de intervenção econômica, convenientes à manutenção das atividades econômicas empresariais e, logo, ao próprio sistema econômico e social.
Dada a importância do binômio capital & trabalho ao equilíbrio econômico, o poder executivo federal promulgou recentemente cinco medidas provisórias a respeito do tema, e foram proferidas duas decisões do Supremo Tribunal Federal em relação às normas trabalhistas, promovidas por estas medidas.
Ao nosso entender, tais enunciados normativos, imediatamente avaliados pelo STF em relação a sua constitucionalidade, compõem um microssistema normativo emergencial, que deve ser interpretado em relação a sua eficácia normativa, no sentido de produção de efeitos jurídicos válidos, em conjunto com as demais normas e regramentos que tratem do direito do trabalho.
Analisaremos neste informativo de forma bastante concisa, a edição das medidas provisórias e das decisões da Suprema Corte, com a finalidade de anotar quais as principais alterações práticas trazidas para o direito do trabalho.
Inicialmente, para desdobrarmos as medidas provisórias e compreende-las de forma precisa, necessitamos entende-las como parte de um microssistema normativo de emergência, conforme preceitua Carlos Henrique Bezerra Leite.
Isso porque, acreditamos que, as providências tomadas em fase de pandemia, quando posteriormente forem levadas ao judiciário em forma de reclamação trabalhista serão apreciadas como um todo, analisando-se a conjuntura econômica e as regras disponíveis ao tempo da tomada de decisão pelo empregador.
Sendo assim, concordamos com Bezerra Leite que afirma que houve uma confusão com relação a ordem expedição das medidas provisórias, que se analisadas em ordem cronológica impossibilitam uma ação eficaz e menos gravosa para o trabalhador e para o empregador, devendo ser apreciadas em ordem de possibilidades, explicamos:
A medida provisória n.º 927 de 22/03/2020, a primeira dentre todas as editadas, trouxe como principais temas a regulamentação e flexibilização das regras formais para a instituição do tele trabalho, concessão de férias individuais e coletivas, banco de horas, entre outras medidas, afrouxando principalmente a forma de instituição e os prazos para a realização destas medidas, tudo com o objetivo de retirar da informalidade as ações que já estavam sendo tomadas por empregadores com o objetivo de realizar o distanciamento social.
Posteriormente, fora editada a medida provisória 936 em 01/04/2020 que instituiu a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho, de forma que possibilitava a redução proporcional de jornada e salário pelo prazo de até 90 dias, mediante acordo individual entre empregado e empregador. Ocorre que, esta medida foi mal recepcionada em razão de ferir diretamente o artigo 7º inciso VI da Constituição Federal, que garante a irredutibilidade salarial, exceto por acordo ou convenção coletiva.
Em resposta a este apontamento, em 06/04/2020 o Ministro do STF Lewandowski, em decisão monocrática, entendeu que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e salário deveriam ser comunicados pelos empregadores ao sindicato, para que querendo deflagrassem a negociação coletiva e na inércia do sindicato resultaria na anuência do acordo individual firmado. Sendo assim, o acordo individual não teria validade plena até que fosse encaminhado para o sindicato para sua aprovação.
Esta decisão, foi apreciada pelo plenário em 16/04/2020, que analisou o texto da MP 396 e julgou que em razão da excepcionalidade dos tempos vividos, a MP seria compatível com os princípios gerais constitucionais, sendo possível a manutenção dos acordos individuais sem o aval dos sindicatos e que bastaria a comunicação da existência de tais acordos.
Ato contínuo, em 03/04/2020 foi editada a medida provisória 944 que trata da linha de crédito para financiamento da folha de pagamento das pequenas e médias empresas, sendo financiado pelo BNDES e por bancos interessados, até dois salários mínimos por empregado, a taxa de juros de 3,75% ao ano e com carência de até seis meses para início do pagamento.
Esta medida de financiamento da folha tem como objetivo a manutenção do emprego e a possibilidade de continuidade da atividade empresária que tem entre seus gastos mais significantes a folha de pagamento, atenuado com a linha de crédito ofertadas, a nível programático, às pequenas e médias empresas.
Em paralelo também houve a edição da medida provisória 945 de 04/04/2020, sobre os trabalhadores portuários, da qual apenas mencionaremos, por não ser objeto específico deste informativo.
Ocorre que, como é possível analisar por essa rápida digressão, as MPs editadas trazem menos prejuízos ao empregado quando analisas fora da ordem cronológica, ou seja, das medidas menos gravosas para as mais gravosas.
Acreditamos que posteriormente a crise pandêmica, quando ajuizadas as reclamações trabalhistas, os juízes do trabalho irão analisar as medidas adotas pelo empregador, sob a perspectiva se houve o cuidado por parte do empregador no sentido de exaurir os meios a garantia dos direitos sociais dos empregados.
Vale dizer, se houve o cuidado do empregador em garantir o pagamento da folha, mediante a concessão de linhas de financiamento subsidiada, a exemplo do preceituado na MP 944, se foram adotadas as medidas de tele trabalho, férias coletivas, banco de horas, entre outras, da MP 927, se adotas as medias de suspensão do contrato de trabalho 936 e, enfim, como medida estritamente excepcional, a redução proporcional da jornada e salário, sendo esta considerada a medida mais gravosa entre as demais.
Não obstante os efeitos econômicos do isolamento social sejam inevitáveis, trazendo riscos evidentes à continuidade das entidades empresariais, não há como se furtar a análise de que há, em nosso sistema jurídico, um prestígio dos direitos sociais, os quais não são oponíveis ao direito econômico empresarial, mas a própria preservação desse, sob o contexto do necessário equilíbrio social.
Assim, a adoção das medias anunciadas, em especial aquelas mais restritivas aos direitos sociais, demanda cautela por parte do empregador e a consciência de que a análise de eventuais reclamações trabalhistas, por parte do Judiciário, deverá considerar à excepcionalidade do caso concreto, individual, no contexto da realidade econômica e social da empresa, à data de sua adoção.

Julia de Carvalho Voltani
OAB/SP 445.014

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