Diante das dificuldades financeiras agravadas pela atual crise econômica tem sido cada vez mais frequente o ajuizamento de pedidos de recuperação judicial, nos termos da Lei nº 11.101/05.
A lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência revela a preocupação do legislador ao viabilizar, em seu artigo 47, a “superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
É sabido que, tanto no âmbito da recuperação judicial, como na recuperação extrajudicial, os créditos devidos pela empresa rem recuperação são objeto de renegociação, inclusive mediante aplicação de deságio, desconto, no interesse de sua liquidação. O desconto de tais créditos produz efeitos contábeis e, especialmente fiscais, impactando diretamente na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica ““ IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ““ CSLL.
Recentemente, com a inclusão do artigo 50-A, incido II, na Lei 11.101/2005, pela Lei 14.112/2020, concedeu-se benefício fiscal ao devedor em recuperação judicial no sentido de que o ganho obtido com a redução do passivo não se sujeitará a trava de 30% (trinta por cento) para fins de utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.
Sem prejuízo do benefício fiscal concedido, especialmente relevante às empresas em recuperação, é fato que os pronunciamentos contábeis expressamente prescrevem que o perdão total ou parcial de dívida, para fins contábeis, equivale a um ganho, um acréscimo patrimonial, a ser reconhecido mediante lançamento de um crédito na conta de resultado, logo, compondo o lucro líquido contábil, aspecto material a ser considerado no cálculo do IRPJ e CSLL.
Nesse contexto, importante mencionar que ao tratar dos descontos concedidos por alguns programas de parcelamento, as autoridades fiscais entendem que no regime de tributação do lucro real, a reversão ou recuperação do valor dos juros de mora e das multas compensatórias que foram, a seu tempo, reconhecidas como despesa, devem integrar a base de cálculo do IRPJ e CSLL (SC nº 65/2019).
É certo que o ganho auferido pelas pessoas jurídicas compõe o resultado do exercício em que efetivamente realizado, em atenção ao princípio de competência contábil, independentemente de sua realização financeira.
Contudo, podem ocorrer situações em que a aplicação do deságio, ou desconto, como preferir, seja cumulada com moratória conferida ao seu pagamento, condicionando o desconto, não somente à aprovação do plano, mas ao pagamento de parcela do crédito parcelado, senão ao pagamento integral do crédito, como condição suficiente ao reconhecimento integral do desconto concedido.
Logo, para aqueles contribuintes optantes pelo regime do lucro real, obrigados a apuração e pagamento do IRPJ e CSLL, o deságio deve compor o resultado do exercício, e logo, ser objeto de incidência tributária.
Em razão dessas regras contábeis, uma questão de ordem prática que se coloca e que reflete diretamente da apuração do IRPJ e CSLL pelo devedor, diz respeito ao momento da incidência tributária desses tributos, sobre o ganho obtido com a redução do passivo do devedor.
Imaginemos, à título de exemplo, que determinado plano de pagamento condicione o seu cumprimento ao pagamento do crédito em parcelas que, quando pagas dentro do prazo acordado, à medida de seu pagamento, sofrerão um deságio de 70% do valor total da dívida.
Ao assim estabelecer, a condição acordada ao desconto do crédito, importa na liquidação da parcela objeto de parcelamento e, logo, independente da aprovação do plano compreendendo essa possibilidade, o ganho somente será realizado, econômica e financeiramente, à medida da liquidação do crédito.
Contudo, poderão ocorrer situações em que, embora o desconto se realize à medida do pagamento da prestação acordada, sua efetividade, ou seja, seu reconhecimento pleno, somente ocorrerá com o pagamento de todas as parcelas atribuídas ao crédito, ou senão, com o próprio cumprimento do plano em sua integralidade.
Nesses casos, parece razoável a dúvida suscitada em relação ao momento do reconhecimento desse ganho por parte do contribuinte, à medida que, de forma definitiva, ele somente ocorrerá, com o pagamento da integralidade das parcelas, ou com o cumprimento do plano.
O reconhecimento contábil desse deságio ou redução de passivo, dependerá da efetivação da condição prevista no plano de recuperação e o tempo de sua implementação. Em sendo assim, independente do reconhecimento contábil, sob a ótica fiscal, faz-se aplicável a regra dos artigos 116, inciso II e 117, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN) que, expressamente, posterga a ocorrência da hipótese de incidência dos tributos até a efetiva implementação da condição suspensiva, ou seja, o aspecto temporal previsto no plano de recuperação como condição suficiente ao reconhecimento do deságio, por parte do devedor.
Nesse contexto, embora o reconhecimento de uma redução do valor da obrigação do devedor, em razão do desconto aplicado, seja um ganho a ser considerado no computo do lucro líquido, para fins de determinação do lucro real, faz-se necessário identificar em que momento esse ganho deverá ser reconhecido fiscalmente, caso seu reconhecimento, seja condicionada ao pagamento ou, ainda, ao cumprimento do plano de recuperação, como um todo.
A concessão da recuperação judicial ou a homologação do plano na recuperação extrajudicial, representa mera expectativa de direito à obtenção dos descontos fixados ao devedor, que somente se efetivará quando do pagamento aos credores no prazo estipulado no plano apresentado. Nesse momento, tem-se implementada a condição suspensiva, fazendo surgir a condição necessária ao reconhecimento do ganho decorrente dos descontos obtidos para fins de incidência do IRPJ e CSLL.
Isso posto, faz-se necessário atenção especial à elaboração da redação de cláusula no plano de recuperação judicial, de modo a contribuir com o contribuinte recuperando, inclusive em relação aos efeitos tributários decorrentes do cumprimento de seu plano.
Maciel da Silva Braz
OAB/SP 343.809