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Diante da pandemia atual e seus perversos efeitos econômicos, muitas pessoas estão preocupadas e inseguras em relação ao cumprimento de suas obrigações contratuais.
Algumas dúvidas têm sido levantadas nos últimos dias, tais como:
I. Há fundamento para excluir a responsabilidade pelo descumprimento de obrigações contratuais, em razão dos efeitos da pandemia?
II. Cláusulas que determinam aplicação de multa e encargos por inadimplência, podem ser aplicadas em caso de descumprimento por caso fortuito ou força maior?
III. A rescisão contratual, por justa causa, é uma alternativa possível, considerando os efeitos econômicos derivados da pandemia?
A resposta a esses questionamentos demanda a análise de alguns princípios, que fundamentam as relações jurídicas no âmbito do direito privado, os quais orientam o interprete na busca de uma adequada solução jurídica.
O princípio do chamado “pacto sunt servanda”, ou seja, a obrigatoriedade de cumprimento do acordado entre as partes, tem como premissa que o objeto acordado decorreu de uma relação de liberdade e equilíbrio, econômico e jurídico, entre as partes.
Eventos posteriores, imprevistos, podem ser fatos suspensivos ou excludentes da exigibilidade dos direitos e obrigações contraídas, quando causem alterações substanciais às condições pré-estabelecidas, tendo como consequência, a impossibilidade de cumprimento do acordado por uma das partes.
Nesse contexto, a utilização dos princípios jurídicos da boa-fé, lealdade e solidariedade que se exteriorizam na relação jurídica contratual, também enquanto dever das partes de mitigar o prejuízo “duty mitigate the loss”, devem ser sopesados com o princípio da segurança jurídica, no tocante a exigibilidade dos direitos e obrigações assumidos.
A ponderação necessária e adequada equivalência em relação à aplicação desses princípios determina a necessidade de demonstração da impossibilidade do cumprimento das obrigações, em razão de evento alheio à vontade das partes contratantes.
Assim, a exclusão da responsabilidade no tocante ao cumprimento de determinada obrigação, por dever de lealdade e boa-fé, impõe a quem a sustenta, o dever de transparência, sendo seu ônus demonstrar a impossibilidade do cumprimento, em razão de situação adversa, alheia a sua vontade, impossível de ser prevista.
Tal ponderação de princípios, necessária à adequada avaliação não da causa (pandemia), mas dos seus efeitos, aplicados em um determinado caso concreto, devem orientar a correta aplicação das normas de suspensão ou exclusão do crédito contratado e das sanções a ele aplicáveis.
A legislação civil prevê a ocorrência de eventos conhecidos como FORÇA MAIOR e CASO FORTUITO, os quais caracterizam-se por conferir às partes a possibilidade de desfazimento da relação jurídica, de forma que ambas retornarem ao status inicial sem que estas sofram as sanções dispostas em contrato.
Prevê, ainda, a hipótese de onerosidade excessiva, sendo que no artigo 317 do código civil disciplina que: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
Além disso, no artigo 478 do mesmo diploma legal, estabelece que: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação” e complementa no artigo seguinte: “479 – A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.
A despeito das medidas econômicas que vêm sendo tomadas pelos países para tentar minorar os impactos decorrentes da COVID-19, inevitável que alguns contratos sofrerão um desequilíbrio excessivo, que impossibilitará seu cumprimento, por parte de determinado contratante.
A aplicação dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade na identificação dos elementos, em cada caso concreto, a fim de evidenciar a impossibilidade de cumprimento do contrato, devem considerar a conduta do contratante no sentido de evitar ou mitigar o prejuízo de terceiro.
De modo que as causas de exclusão ou suspensão da responsabilidade demanda o ônus de prova ao contratante que as alegar, em prestígio à inadimplência que, verdadeiramente, derivou de evento alheio a sua vontade, não previsível, e não do oportunismo enriquecer-se, ilicitamente, às custas de terceiro.
Graziela Martin de Freitas – OAB/SP 236.808
Fábio Esteves Pedraza – OAB/SP 124.520
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