RECUPERAÇÃO JUDICIAL: DESAFIOS COM O COVID-19

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É inegável a transformação pela qual o mundo está passando desde que a disseminação do vírus COVID-19 se alastrou e, consequentemente, transformou-se em uma pandemia global. Com isso, as relações interpessoais e jurídicas vêm sendo sobremaneira ajustadas, de modo a adequarem-se à nova realidade, que passou a ser o “novo normal”, conforme tem sido amplamente divulgado pela mídia.
Os negócios jurídicos relacionados aos procedimentos de recuperação judicial, em especial aqueles que estejam em fase executória, estão sofrendo inúmeros desafios, vez que as relações jurídicas por eles envolvidas têm sido diretamente atingidas.
Observa-se o crescimento na necessidade de alargamento dos denominados “stay periods”, que se caracterizam por ser um prazo legalmente previsto de 180 (cento e oitenta dias) de suspensão dos processos de execução contra a recuperanda, bem como na necessidade de reestruturação dos planos de recuperação judicial já aprovados pelo juízo em que tramitam. A aprovação de determinada carência, seja para renegociar e aprovar novo plano, seja para somente retomar a sua atividade econômica, compor seu caixa e continuar o cumprimento do plano previamente aprovado, são medidas plausíveis.
Sob este aspecto, frisa-se a aprovação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) da Recomendação n.º 63/2020, em 31 de março de 2020, expedida especificamente para promover orientações às empresas que se encontram sob os trâmites da Recuperação Judicial. Não se trata de um ato normativo vinculativo, mas tem sido de grande utilidade na direção do judiciário e operadores do direito nesse momento de inúmeras incertezas e instabilidades.
Dentre as medidas recomendadas, destacam as que seguem abaixo elencadas, a saber:
i. priorizar a análise e decisão que versem sobre o levantamento de valores em favor dos credores ou empresas recuperandas;
ii. suspender as Assembleias Gerais de Credores presenciais, autorizando a realização de reuniões virtuais quando necessária para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos pagamentos aos credores;
iii. prorrogar o período de suspensão previsto no artigo 6º da lei 11.101/05 (“Lei de Falências”) quando existir a necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores;
iv. autorizar a apresentação de plano de recuperação modificativo quando restar demonstrada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid-19, antes de eventual decretação de falência (Lei de Falências, artigo 73, IV);
v. determinar aos administradores judiciais que continuem a promover a fiscalização das atividades das empresas recuperandas de forma virtual ou remota, e a publicar na internet os relatórios mensais de atividade; e,
vi. avaliar com parcimônia o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo 06.03.2020.
Não há dúvidas de que as recomendações aprovadas pelo CNJ visam à manutenção do emprego e da função social de estímulo ao exercício e continuidade da atividade econômica.
Promover a possibilidade de flexibilização de cumprimento do plano de recuperação judicial já aprovado, com o seu consequente aditamento, em especial dos prazos e formas de pagamento aos credores, é a medida mais eficaz às recuperandas neste momento de crise mundial, haja vista que diante do cenário econômico global, estas empresas que já estavam com dificuldades financeiras, fatalmente precisarão de medidas diferenciadas de modo a atingirem seus objetivos recuperacionais e retomarem o exercício da atividade econômica por elas desempenhada. Sem contar que desse modo evitarão eventual pedido de falência.
Esclareça-se que referido pedido de flexibilização, deverá estar acompanhado do comprovado impacto no fluxo de caixa, decorrente de cancelamento de pedidos dos seus fornecedores e queda do seu faturamento, de modo a fundamentar a necessidade de novo prazo de carência, ficando a critério do juízo recuperacional analisar individualmente o caso concreto e a saúde econômica financeira da empresa, deferindo ou não os pedidos conforme a orientação do CNJ.
Mais uma vez o princípio da cooperação, que desde a entrada em vigor do “Novo Código de Processo Civil” em 2016 tem previsão expressa em seu texto, passa a ser o principal aliado das partes que se encontram em discussão judicial e figura indispensável na solução dos conflitos.
Graziela Martin de Freitas
Advogada cível e contratos
OAB/SP 236.808

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