Em julgamento do Recurso Especial 1.864.620, foi dado provimento aos embargos opostos por uma sociedade que teve R$ 500 mil penhorados em razão de dívida de outra sociedade do mesmo grupo econômico.
Considerando a existência da personalidade jurídica às sociedades empresariais, com o reconhecimento de um patrimônio próprio e, consequentemente, atribuição de direitos e obrigações, distintas de seus sócios e das demais sociedades coligadas, tal patrimônio responde pelas obrigações contraídas pela sociedade, havendo para esta regra exceções muito particulares como as em que há confusão patrimonial e reconhecido abuso da forma jurídica para se esquivar das obrigações pelas quais se comprometeu.
Não obstante, possam existir relações jurídicas e econômicas entre sociedades, que orientem seus negócios, identificando-as como um grupo de sociedades, a personalidade destas, em consideração ao patrimônio individual de cada entidade, deve ser preservado.
Nesse contexto, a 4° Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que as obrigações de uma determinada sociedade, pertencente a um determinado grupo econômico, não pode ser assumida por outras sociedades do referido grupo e, logo, não é permitida a penhora de bens de uma sociedade para garantir dívidas de outra, sem a prévia desconsideração da personalidade jurídica.
O incidente da desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, tem por objetivo permitir a desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, na hipótese de ser identificado na sua existência objetivos diversos, contrários aqueles que deveriam ter motivado a sua constituição em evidente fraude ou confusão patrimonial entre as sociedades.
Tal incidente é excepcional, sendo necessária a identificação do desvio de finalidade, no interesse de que a existência da sociedade sirva a propósitos ilegítimos, no sentido de dificultar ou impossibilitar à satisfação do direito de crédito de terceiros.
No caso julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça, os julgadores identificaram que a penhora sob outra pessoa jurídica do grupo econômico não foi precedida de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, tornando assim, o ato de penhora e constrição patrimonial, um ato nulo, e evidentemente ilegal.
Para o Relator, Ministro Antônio Carlos Ferreira, ainda que exista a previsão no Código de Defesa do Consumidor, artigo 28, parágrafo 2°, a respeito da possibilidade de responsabilidade subsidiária das pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo societário do devedor principal, tal possibilidade não exclui a necessidade de seguir as normas processuais destinadas a garantir o contraditório e a ampla defesa, garantia essa prevalente do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Portanto, em razão do não cumprimento do disposto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por dar provimento aos embargos opostos, revertendo-se a penhora.
Por Maurício Silva Souza.